Texto por: Mariana Lopes

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) já está em vigor, mas ainda é comum ver organizações – especialmente condomínios e associações – tratando o tema como algo meramente burocrático. Essa visão é perigosa. Segundo levantamentos de órgãos de cibersegurança, mais de 80% dos incidentes de segurança que resultaram em vazamentos de dados têm origem em erro ou descuido humano. Nenhuma política ou ferramenta técnica supera uma equipe mal-treinada. Logo, capacitar funcionários é uma etapa obrigatória da adequação à LGPD, além de um investimento que reduz riscos e custos jurídicos, fortalece a cultura de respeito aos direitos dos titulares, melhora a imagem institucional e aumenta a confiança de condôminos, associados, fornecedores e visitantes.

Neste artigo você verá como estruturar um programa de treinamento, o que deve ser ensinado e de que forma isso impacta positivamente o dia a dia do condomínio ou associação.

Por que o treinamento é tão importante

A maioria das falhas de segurança de dados não ocorre por sofisticação técnica de hackers, mas por falha humana. Um funcionário que envia um e-mail com informações sensíveis para o endereço errado, um documento deixado aberto na recepção, uma senha compartilhada ou uma ligação que cede informações – esses cenários simples causam danos irreversíveis.

O treinamento em LGPD elimina essa lacuna crítica. Quando cada membro da equipe compreende a importância da proteção de dados e conhece as práticas corretas, a probabilidade de incidentes cai drasticamente. Além disso, o treinamento é parte obrigatória de qualquer programa de adequação à lei. Reguladores e órgãos fiscalizadores esperam encontrar evidências de capacitação contínua durante as auditorias e fiscalizações.

Além disso, e igualmente relevante, o treinamento promove conscientização genuína sobre os direitos fundamentais dos titulares. Quando funcionários entendem que seus próprios dados também são protegidos, o engajamento é autêntico e duradouro.

O núcleo do programa: o que ensinar

O que é a LGPD

Comece explicando de onde veio a lei e seu objetivo central: proteger direitos fundamentais de proteção de dados, liberdade e privacidade de todas as pessoas. Ressalte que a LGPD abrange qualquer atividade que trate dados pessoais, on-line ou off-line. Use exemplos do cotidiano condominial para tornar o conceito concreto: listas de presença em assembleias, registros de visitantes, câmeras de segurança, cadastros de moradores e fornecedores, fichas médicas de funcionários, etc. Assim, os colaboradores percebem que a lei não é abstrata – está presente todos os dias.

Por que o condomínio ou associação precisa se preocupar

A negligência em matéria de LGPD gera consequências financeiras e reputacionais graves. As multas podem chegar a 2% do faturamento, limitadas a R$ 50 milhões por infração. Além disso, a instituição pode ter seu banco de dados bloqueado, sofrer danos à reputação e enfrentar custos elevados de reparação e ações judiciais. Traga casos reais de vazamento em condomínios (existem inúmeras notícias sobre isso) para ilustrar como conflitos internos e processos podem se agravar rapidamente. O objetivo é criar senso de urgência sem alarmismo: a proteção é viável e começa com treinamento.

Princípios da LGPD com exemplos práticos

Os princípios da lei não são abstrações legais; são diretrizes que guiam decisões diárias. Explique cada um com exemplos concretos:

A finalidade determina que dados sejam coletados apenas para o objetivo declarado. Se você coleta informações de um morador para gerar a lista de presença em assembleia, não pode usá-las para enviar propaganda de seguros.

A adequação exige que formulários de cadastro peçam somente o necessário. Pedir cópia integral do contrato de locação é despropositado.

A necessidade significa avaliar se a tecnologia proposta justifica o custo em privacidade. Implementar reconhecimento biométrico para entrada no prédio é legítimo se aumentar a segurança, mas se a empresa que fornece o serviço não estiver adequada à LGPD, não vale a pena.

O livre acesso significa que os titulares têm direito de consultar, de forma fácil e gratuita, todas as informações que o condomínio possui sobre eles e como são tratadas. Um morador deve poder solicitar e receber um relatório mostrando quais dados seus estão no sistema e para que são usados.

A qualidade dos dados indica que eles devem ser precisos, claros e atualizados. Se um morador informar um novo número de telefone para emergências, o cadastro deve ser atualizado imediatamente.

A transparência obriga comunicar claramente quando há monitoramento e o que é feito com os dados. Placas indicando presença de câmeras e avisos sobre coleta de dados são obrigatórias, não opcionais.

A segurança exige que dados estejam protegidos contra vazamento. Senhas devem ser fortes, acessos controlados, sistemas criptografados.

A prevenção determina que o condomínio deve agir proativamente para evitar danos, não apenas remediá-los. Fazer backups regularmente, manter sistemas atualizados, entre muitas outras ações.

A não discriminação obrigada que os dados jamais podem ser utilizados para fins discriminatórios, ilícitos ou abusivos. Usar informações sobre origem  ou saúde de um funcionário para justificar tratamento desigual seria uma violação grave.

A responsabilização e prestação de contas indica que não basta cumprir a lei, é preciso provar que a cumpriu. O condomínio deve documentar todas as ações de tratamento e adequação à LGPD e estar pronto para demonstrar à ANPD que as medidas foram adotadas e os princípios seguidos.

Esses princípios devem ser contextualizados com pequenos estudos de caso simulados durante o treinamento.

Quem são os titulares de dados

Titulares são todas as pessoas cujos dados são tratados pela instituição. Isso inclui funcionários, condôminos, visitantes, prestadores de serviço, entregadores e até crianças que moram ou frequentam o prédio. Importante reforçar que os dados de idosos e crianças devem ter uma atenção maior por parte do síndico e do Encarregado de Dados do condomínio.

Natureza dos dados: gerais e sensíveis

Nem todos os dados oferecem o mesmo risco. Dados pessoais gerais incluem nome, endereço, telefone, e-mail. Dados sensíveis são aqueles que merecem proteção reforçada: informações sobre saúde, religião, biometria, orientação sexual, origem racial e dados de crianças e idosos.

A ficha médica do funcionário da portaria exige controles de acesso muito mais rígidos. Quem pode vê-la? Apenas o responsável e a pessoa autorizada em caso de emergência. O número do apartamento de um morador é informação pessoal geral, mas ainda merece proteção adequada.

O que é tratamento de dados

Tratamento não significa apenas armazenar. É qualquer operação: coletar, armazenar, acessar, compartilhar, transmitir, eliminar, atualizar. Um exercício prático durante o treinamento ajuda: mapeie todas as atividades do condomínio que geram tratamento. Recebimento de encomendas? Sim. Envio de boletos? Sim. Atualização de dados cadastrais? Sim. Limpeza de arquivos antigos? Também é tratamento, inclusive a eliminação.

Direitos dos titulares e seu exercício

A lei garante aos titulares o direito de confirmar se seus dados estão sendo tratados, acessá-los, corrigi-los, solicitar portabilidade, requerer eliminação, opor-se ao tratamento e saber com quem seus dados foram compartilhados. Simule pedidos reais durante o treinamento. Um morador escreve: “Quero saber quem tem acesso às imagens da câmera da minha vaga.” Qual é a resposta correta? Quem deve respondê-la? Em quanto tempo? Pratique a resposta coordenada e documente tudo, porque prazos são lei.

Controlador e Operador

No contexto condominial, o condomínio (representado pelo síndico ou diretoria) é o controlador de dados – responsável pelas decisões sobre tratamento. Empresas terceirizadas de portaria remota, limpeza de dados ou folha de pagamento são os operadores – executam o tratamento conforme instruções. Explique que deveres de cada um são distintos e documentados em contratos.

ANPD e seu papel

A Agência Nacional de Proteção de Dados é responsável por fiscalizar, orientar e sancionar. Conheça as competências dela, seus canais de denúncia e como uma investigação é conduzida. Isso ajuda a desmistificar e mostrar que não se trata de ameaça arbitrária, mas de estrutura previsível.

DPO: o Encarregado de Dados

Mesmo quando terceirizado, todos os titulares de dados devem saber quem é o Encarregado de Dados (DPO), seu e-mail de contato e papel principal: ser a ponte entre titulares, controlador e ANPD. Quando um morador tem dúvida ou reclamação, ele saberá para quem recorrer. Quando um funcionário identifica uma falha, sabe a quem informar.

Como identificar um incidente

Um incidente de segurança não é sempre óbvio. Sinais incluem acesso não autorizado ao sistema de câmeras, e-mail corporativo invadido, pen-drive perdido com dados de moradores, documentos impressos deixados na recepção, arquivos abertos com informações sensíveis, ou pedidos suspeitos por telefone (“Posso confirmar o endereço do Sr. X?”).

Distribua um check-list visual e ilustrado durante o treinamento. Quanto mais cedo o incidente é detectado, menor o dano.

O que fazer em caso de incidente

Quando um incidente é identificado, a resposta deve ser rápida e coordenada. Isole o sistema afetado imediatamente. Informe seu superior e o DPO sem demora. Não apague evidências – elas serão essenciais para investigação. Siga o plano de resposta instituído, que define prazos para notificar a ANPD (em geral, 3 dias úteis) e os titulares afetados, se necessário. Realize simulações semestrais para testar a prontidão da equipe. Isso evita pânico e improviso.

Como conduzir o treinamento com eficácia

Use linguagem acessível e evite tecniquês. Funcionários de portaria, limpeza e administrativos não são especialistas. Adapte a comunicação.

Divida o programa em sessões curtas e frequentes. A retenção de conhecimento melhora significativamente.

Aposte em material multimídia: vídeos mostrando falhas reais, se necessário, infográficos afixados nos quadros de aviso, plataformas de e-learning para quem trabalha em turnos variados. Diversifique os formatos.

Avalie o aprendizado com questionários rápidos, distribua certificados internos e implemente uma reciclagem anual ou sempre que houver mudança na legislação. Integre treinamento obrigatório na admissão de novos colaboradores, com assinatura de termo de confidencialidade.

Envolva liderança desde o início. Se o síndico ou presidente participa da abertura do programa, sinaliza que a LGPD é prioridade institucional. Isso muda a percepção de todos.

Resultados esperados

Um programa de treinamento bem estruturado traz resultados concretos. A redução de incidentes causados por uso inadequado de e-mails, compartilhamento descuidado de informações ou descarte de dados deliberado é drástica. Quando um incidente ocorre, as respostas são ágeis e coordenadas, minimizando multas e danos. Condôminos e associados se tornam mais confiantes, percebendo transparência e cuidado genuíno com seus dados. Mais importante ainda, uma cultura de proteção de dados se enraíza, tornando a adequação à LGPD parte natural da gestão, não um fardo.

Conclusão

Treinar funcionários sobre a LGPD não é um luxo, é uma obrigação legal e uma estratégia de proteção patrimonial e financeira. Ao transformar conhecimento em prática diária, o condomínio ou associação se posiciona à frente, evita prejuízos irreversíveis e entrega aos titulares aquilo que eles já deveriam ter por direito: a segurança de suas informações pessoais. Comece hoje a conscientização de todos os seus funcionários e busque uma empresa especializada que faça a adequação completa do seu condomínio ou associação.